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E pela primeira vez desde que nascera, pensei que talvez fosse isso ser pai: segurar um filho que dorme, e reconhecer-se nele.
E foi então que a vi levantar-se da cama, num rasto de pegadas húmidas, pegar no bloco e na caneta, tomar notas, voltar a mergulhar no conforto do sonho.
Decido sair do sofá. É só a mim que me custa trocar a farda da hipocrisia pelo uniforme da crença? Saio do sofá não por ser altruísta, mas porque aqui estou a definhar, a secar, a apodrecer.
Se eu não fosse um homem ruim, se fosse apenas medíocre, estávamos agora os dois a jantar em nossa casa, sem bebés aos gritos, sem cheiro a azedo nem turnos de vigília noturna, uma casa só nossa.
A minha mãe disse-me um dia que «os amores de um homem são os amigos», depois de passar a vida a ver o meu pai oferecer o melhor de si aos companheiros e aos serões de tasca.
Ontem, disseste que íamos chegar, finalmente, às bodas de Inferno; ainda falta um mês, e tu olhas para mim como uma mobília que queres manter sem uso ou beleza até à cova.
Rachei a cabeça de um colega com uma pedra atirada com a força da justiça, a mãe zangou-se comigo, não se bate numa pessoa por causa de um cão, mas eu gostava mais do Zé do que de toda a família.
Que pássaro é esse, meu amor?, desde quando é que dormes com aves debaixo da almofada?
Dá vontade de rir quando vemos as mulheres de agora a querer ensinar as de antigamente.
Tinha sete anos quando o meu irmão, cinco anos mais velho, me ensinou as artes de fazer uma armadilha na praia. Era preciso cavar bem fundo, um buraco do tamanho da perna de um adulto alto.
Continuo a sentir ciúmes de tudo o que viveu com a minha mãe. Não posso dizer que lhe tenho amor. Não sinto amor pelo meu pai. Sei que é triste.
Vem-me à memória uma frase de Brecht: Do rio que tudo arrasta se diz que é violento / Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.
A verdade é que o meu radar nunca me deixou apeado, sei bem reconhecer um dos meus, até no escuro, tenho este dom, como um enólogo de pessoas, topo-lhes a orientação sexual só pelo cheiro.
A minha mulher, a minha propriedade. Só a morte ma pode roubar. Jurámos no dia do casamento que a nossa união seria até à morte, eu penso cumprir a promessa.
Percebi que o meu desejo, para ser cumprido, teria de ter um cúmplice — a força.
Disseram-lhe que podia ir para a tropa quando tivesse barba e usasse cintos com fivela, que a tropa faz dos homens homens, mesmo aqueles que não o são.
Eu sabia que não podia substituir o meu pai nas suas funções de cônjuge e amante, era apenas um miúdo preocupado e incomodado com a inaptidão da minha mãe.
Não ladrámos para não equivocar os artistas com a máxima “cão que ladra não morde”, é que nós mordemos, mas preferimos rosnar a latir. Aquilo de que mais gostamos — vê-los ganir.
O que é isto de escrever um livro? Para que serve um livro? Parece perguntar o Ministério da Cultura, que se juntou ao da Juventude e do Desporto.
Foi assim que conheci Herman, Alfredo e Guilherme. Foram eles que me apresentaram outros rapazes que se encontravam por todo o mundo. A minha vida mudou. Finalmente tinha uma causa.
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