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Não sei lutar contra os ecrãs que os sugam para um não-lugar onde deixam de ser pessoas, onde não são certamente os meus filhos: são utilizadores, sombras que partilham a casa comigo.
E não é só o tamanho das minhas saias que importa; o importante é a altura dos meus sonhos, que ele também quer que mirrem a grande velocidade.
A Daniela — é assim que se chama a rapariga que trabalha no piso de cima — podia ser modelo e não entendo por que gasta os dias e a beleza na empresa mais aborrecida do mundo.
E sei, sei com a certeza amarga dos presságios, que nos restam poucas horas de pele quente, que em breve o Pedro, o meu homem — se é que um homem pode ser de alguém — me deixará.
Lembrei-me das vezes em que resisti, lutei, retaliei, zangado até ao esgotamento, quando talvez bastasse deixar-me ir, permitir que a trela de um cão satisfeito e faminto de mundo me conduzisse.
Este conto integra uma colecção de ficção intitulada Homens Maus.
Como é hábito, não atendeu a chamada, nunca atende, apesar do telefone implantado na mão direita, e tive de me sujeitar ao auto-retrato para testemunhar a gravidade do acontecimento.
E pela primeira vez desde que nascera, pensei que talvez fosse isso ser pai: segurar um filho que dorme, e reconhecer-se nele.
E foi então que a vi levantar-se da cama, num rasto de pegadas húmidas, pegar no bloco e na caneta, tomar notas, voltar a mergulhar no conforto do sonho.
Decido sair do sofá. É só a mim que me custa trocar a farda da hipocrisia pelo uniforme da crença? Saio do sofá não por ser altruísta, mas porque aqui estou a definhar, a secar, a apodrecer.
Se eu não fosse um homem ruim, se fosse apenas medíocre, estávamos agora os dois a jantar em nossa casa, sem bebés aos gritos, sem cheiro a azedo nem turnos de vigília noturna, uma casa só nossa.
A minha mãe disse-me um dia que «os amores de um homem são os amigos», depois de passar a vida a ver o meu pai oferecer o melhor de si aos companheiros e aos serões de tasca.
Ontem, disseste que íamos chegar, finalmente, às bodas de Inferno; ainda falta um mês, e tu olhas para mim como uma mobília que queres manter sem uso ou beleza até à cova.
Rachei a cabeça de um colega com uma pedra atirada com a força da justiça, a mãe zangou-se comigo, não se bate numa pessoa por causa de um cão, mas eu gostava mais do Zé do que de toda a família.
Que pássaro é esse, meu amor?, desde quando é que dormes com aves debaixo da almofada?
Dá vontade de rir quando vemos as mulheres de agora a querer ensinar as de antigamente.
Tinha sete anos quando o meu irmão, cinco anos mais velho, me ensinou as artes de fazer uma armadilha na praia. Era preciso cavar bem fundo, um buraco do tamanho da perna de um adulto alto.
Continuo a sentir ciúmes de tudo o que viveu com a minha mãe. Não posso dizer que lhe tenho amor. Não sinto amor pelo meu pai. Sei que é triste.
Vem-me à memória uma frase de Brecht: Do rio que tudo arrasta se diz que é violento / Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.
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