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Actriz, encenadora e dramaturga
Penso no que aconteceria se juntássemos os tecidos dos nossos corpos, se enxertássemos partes das histórias de uns na vida dos outros, como se faz com as plantas.
Comecei com a observação de uma árvore. Uma árvore plantada no meio de uma Praceta. Aquela era a única árvore do Bairro. Uma árvore solitária e maciça rodeada de cimento.
Os ciúmes parecem andar sempre a rondar entre o mito e a realidade. Entre o que é nosso e que é do outro. O mito de que somos insubstituíveis. A realidade dos nossos desejos e paixões.
Repetimos os mesmos erros, uma e outra vez. E por vezes repetimos as mesmas palavras e os gestos que a elas conduzem, na esperança de corrigir os erros, numa cópia irreparável da realidade.
O galo Filipe não era propriamente comunicativo. Movia-se desvairado pelo quintal, pela casa, e não reagia aos meus apelos de colo, às minhas tentativas de contacto emotivas.
A Andaluzia retém o calor nas pedras dos passeios, nas paredes das casas, no tampo das mesas das esplanadas, na gordura dos copos, na pele dos braços, nas axilas que atam os braços ao corpo.
A realidade não acontece por procuração do desejo, nem tão pouco o desejo se controla, que nas relações e no amor, não se calculam as distâncias em pés, nem em quilómetros, nem em anos.
A distinção entre a Tragédia Grega e as novelas mexicanas está na qualidade da oratória, mas há sempre medo, amor e morte.
É irrelevante a utilidade de uma coleção. É uma daquelas vontades que se inscreve na natureza da falta, mas que em nada está relacionada com uma necessidade real.
Tento andar sempre em frente porque tenho muito mais confiança na dianteira do que na retaguarda. Nunca sei bem como é que a parte de trás do meu corpo se comporta quando não estou a reparar.
Sofro de excesso de romantismo, como há pessoas que têm excesso de colesterol e elevados níveis de triglicéridos. Quem é que aguenta não se exceder no queijo e nos doces, de vez em quando?
Ele fica a atrasar respostas, a prender um fiozinho na minha camisola para me deixar pendurada, como os pescadores fazem delicadamente com as canas de pesca, eu a espernear sem chegar a lado nenhum.
Seria um infortúnio cromático que me afastava do galante conviva que me tinha cozinhado uma caldeirada com peixe acabado de sair do mar e que me servia com mordomias de restaurante estrela Michelin.
Quando me dizem, que tenho que despachar os afazeres emocionais, parece que estão a insinuar que estou a engonhar na faixa do meio, a atrapalhar o trânsito.
Surpreendia-me que fossem os piores alunos da escola, quando eram os melhores a contar histórias, a escutarem-se uns aos outros, a criarem para além da realidade, a usarem o coração nas mãos.
Ainda me impressiona essa ambivalência de se ser sempre descendente da criança que nos principiou e permanece no âmago dos nossos corpos, por muito que eles se alterem, e se venham a alterar.
Por muito que se queira, as relações também se fazem de presença. Como as contas bancárias: se não se investe o capital, corre-se o risco de falta de liquidez. Era muito débito, pouco crédito.
A primeira vez que me aconteceu ser esmigalhada por um instrumento musical publicamente, não aconteceu com um instrumento de grande porte. Não fui atingida por um piano. Fui atingida por um xilofone.
Não me parece muito diferente das paixões de carne e osso, que acontecem todos os dias, e que também começam sempre com uma ficção, uma ilusão quase sempre exagerada acerca de quem o outro poderá ser.
Há quem tateie o mundo com as mãos, quem as recrute à falta de visão, quem as use em abundância. E há quem prefira escondê-las, e queira tê-las sempre guardadas nos bolsos, com medo de as desprender.
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